Prumus Persica

Não sei por que escrevo, por algum motivo sinto-me compelido, impulsionado ou induzido a fazê-lo. Faço uso da escrita no intuito de esvaziar meu eu, que atordoado carrega consigo feridas não cicatrizadas advindas da não compreensão do amor. Amor? Não compreensão? Que tipo de pessoa tola e insensível é essa que não tem uma compreensão do que é o amor?
 
Provavelmente tu tenhas sua definição própria deste sentimento adquirida em um dado momento de tua vida, considero isso bom. Pois para mim este estranho sentimento invade nossa vida sem pedir licença, sem se importar com a idade, sem se importar com as conseqüências. Não importa gênero e status, o amor as vezes tira nosso sono, elimina o apetite... ele faz  nossa cabeça. Quem ainda não se viu arrebatado pelo vilão amor?
 
Tenho vinte e um anos de idade, considero-os bem vividos. Sou fruto de um amor definido como “à moda antiga”. Nasci em uma família de agricultores do oeste catarinense com propriedade fixada em Fraiburgo, terra da maçã e do pêssego.
 
Minha mãe, descendente de italianos, conheceu meu pai, filho de imigrantes holandeses contratados por meus avós materno para trabalhar na colheita de pêssego no ano de 1980. Ela sempre contou que meu pai quando jovem vivia com os olhos apontados para baixo, devido a extrema timidez. Quando ela o olhou nos olhos pela primeira vez, sentiu o iniciar de um sentimento jamais experimentado outrora. Houve um bambear nas pernas, o suar nas mãos, o congelar nas entranhas, o pulsar forte do coração que fazia com que aquele órgão se explodisse em batidas rítmicas tal como uma bateria que marca o compasso de uma escola de samba na Marques de Sapucaí. A batucada em seu peito parecia impossível de ser controlada, abafada, fazia-se ouvir pelos quatro cantos do pomar e só cessou quando os dois trocaram, pela primeira vez cumprimentos de bom dia. A voz grave e marcante de meu pai, para ela soou como aquele trovejar no céu que pede silencio à terra para que o canto da chuva seja entoado.
 
Seu coração parou. Aquele momento mágico emudeceu seu peito, foi como se aquele órgão perdesse toda a vitalidade do pulsar, todo seu corpo ficou imóvel e gélido, então, minha mãe se viu em amor.
 
As narrativas de mamãe despertaram em mim a curiosidade em tomar parte da versão de meu pai para o ocorrido no primeiro encontro dos dois. Ele me contou que sempre fora  um rapazinho tímido, quase nunca falava com os outros trabalhadores do pomar, pois tinha muita insegurança devido o sotaque carregado de holandês, conversava somente com os irmão e os pais. A família trabalhava arduamente todos os dias e quase nunca tinham tempo para divertirem-se, a rotina semanal se resumia em trabalho e trabalho.
 
Meu pai nunca havia chegado perto de uma moça se não a irmã e as primas, seu primeiro contato com uma estranha foi minha mãe na manhã que eles se falaram pela primeira vez e depois do ocorrido a vida dele nunca mais foi a mesma.
 
O sol estava raiando, após uma castigante noite de inverno, quando meu jovem pai saia com sua família para iniciar as atividades no pomar, logo já havia tido um bom rendimento no trabalho, bebeu um pouco de água, jogou um pouco na cabeça, a fim de refrescar-se, nesse momento ele avistou correndo por entre os espaçamentos do pomar a filha do proprietário das terras que procurava seu pai para transmitir-lhe um recado. Foi uma minuciosa observação, alias era a única coisa que ele conseguia enxergar em todos os 60 hectares da propriedade. Aquela linda e delicada moça que caminhava em sua direção era a mais formosa das criaturas que ele já vira.
 
Meu pai disse que ao cair em si e percebendo que ela poderia passar em sua frente, começou a ficar nervoso e em sua mente as palavras se embaralharam, o holandês se misturou com o português, sua face se tornou vermelha como escarlata, e numa mixórdia de vergonha e temor, queria que a terra se abrisse e o engolisse. Tentou fugir sem ser percebido, mas sem êxito no plano, pois  suas pernas não obedeciam, pareciam ter vontade própria, seu pensamento era de subir em um pessegueiro e ficar lá na copa, até a jovem moça passar, mas o pobre coitado foi deixado a mercê da própria sorte. Seu corpo não moveu um só músculo. A única opção foi baixar o surrado chapéu de palha na intenção de esconder o rosto e lançou o olhar para o chão. De repente, ouve-se chiado do amassar das folhas secas pelos passos que eram cada vez mais nítidos e mais próximos, sentindo-se como uma presa preste a ser devorada, ecoava em tua mente em tom de desespero e loucura: - Mijin God, wat nu? MIJIN GOD, WAT NU?  Que do holandês significa, Meu Deus, e agora?
 
Tudo que ele mais temia aconteceu. Minha mãe se aproximou dele e com um belo sorriso na face lhe disse:
 
- Bom dia!
 
Tamanho foi o assombro que ele foi e retornou de Amsterdam em frações de segundos, não sabia o que fazer naquele momento, estava abobado, desconcertado, travado, enrolado e pior, suando frio devido o nervosismo da cena. Sentiu-se traído por si mesmo,  mas permitiu que o coração falasse mais alto. Ele ergueu a cabeça, fixou os olhos nos olhos de minha mãe e por alguns instantes houve um silencio sepulcral. Olhos nos olhos, ambos pararam e perceberam um ao outro e não foram necessárias palavras para concluir o que se passava ali, a partir daquele momento tendo os pés de Prumus Persica* como testemunhas, ele a amou e foi amado por ela.

 

*Prumus Persica: Pessegueiro.

Autor: Cleyton Correia

Comente aqui:

Data 04/12/2011
De Janine Oliveira
Assunto Encantador.

Que lindo o seu conto. Consegui imaginar todas as cenas, o jeito da moça, o nervosismo do rapaz e sua timidez. O encanto do lugar que foi o cenário da história. Adoro o romantismo. Esse primeiro contato do casal com si mesmos e com o amor foi realmente lindo. Gostei mesmo.
Parabéns.

Data 11/09/2012
De Cleyton Correia
Assunto Re:Encantador.

Grato pela cordial atenção senhorita Janine Oliveira, seu comentário contribuiu muito para novas escritas. Abraços

 

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