E na velhice, o amor...

 

Era noite.

Sua enrugada e tremula mão movimentava lentamente uma colher minúscula de prata na xícara de chá fumegante. Atrás de si, sua amada delirava com uma voz suave e sem forças, puxando os cobertores da macia cama onde se acomodara. Fazia isso todas as noites.

“Jeremy, vai ver se o nosso bebê está no berço... Ele deve estar com fome, Jeremy.”

Ignorava-a carinhosamente, voando em pensamentos sobre aquela tarde. Estivera numa consulta com o médico de sua mulher. A última, provavelmente... O doutor dizia com uma voz de tristeza que ela não podia suportar mais. Estava fraca, muito doente, dessa noite não passaria. Já fazia alguns anos que as marcas da velhice a consumia.

Ele também não estava em suas melhores condições, mas pelo menos estava lúcido para cuidar dela. Não permitia que nenhum enfermeiro a tocasse, mantendo o jovem ciúmes que nunca morre. Mas na verdade adorava protege-la de tudo... amava-a incondicionalmente.

Sua fraca memória não o permitia ter lembranças claras da vida que viveram juntos, mas ainda sentia o seu coração aquecer com o doce amor que construíram. Seus filhos já estavam adultos e sumidos pelo mundo. Vez ou outra ligaram para saber se estavam vivos.

Descansa a colher sobre o pires e leva a bebida para Lucy, mas esta já dormiu. Fita-a por alguns instantes e deixa o chá na escrivaninha antiga no canto do cômodo. Aconchegando-se ao lado dela, fica a admirá-la.

Sua delicada face enrugada já perdera o brilho e a cor por causa do tempo, mas os seus lábios se contraem num tímido sorriso enquanto dorme. Sorriso que já passara horas de sua vida observando. Com o dedo indicador, afasta uma pequena mecha branca de um dos olhos, deslizando o polegar sobre a maçã do rosto, mas retirando-o rapidamente. Por tremer muito, encerrava a carícia com medo de acordá-la.

As palavras do médico ecoavam forte em sua mente, causando pontadas no peito de vez em quando. Depois de 65 anos de casados, não se imaginava mais vivendo sem ela.

Uma lágrima então rolou do seu rosto, caindo no cobertor.

Sabia o que poderia fazer para não lidar com isso.

Adormecida, vez ou outra a idosa parava de respirar. Seu coração pausava por alguns segundos. Se o doutor estava certo, não havia o porquê dele sobreviver a mais um dia. Tudo o que ela tinha era ele, e tudo o que ele tinha era ela. Sem ele, ela não sobreviveria, e ele cuidava dela todos os dias. Não havia motivos para sobreviver sem ela, nem forças. Não podia suportar perde-la. Tinha poucos anos de vida a sua frente, mas a dela poderia acabar aquela noite! Não faria sentido viver mais.

Antes de voltar para casa, depois da consulta, havia comprado um “remédio especial” para si. Algo que o faria dormir para sempre ao lado dela, algo que o pouparia de toda dor.

Sua amada murmura baixinho, acordando-o de seus pensamentos.

Levanta calmamente, coloca alguns comprimidos na boca e volta a deitar. Abraça-a com todo o amor que existe, apertando-a carinhosamente contra si e fechando os olhos lentamente.

Ouve um ultimo murmúrio.

Pela manhã, a leve neblina dificulta a visão do sol na janela do quarto.

Lucy então abre os olhos, fraca e febril.

O corpo do amado está gelado e sobre si, acaricia-o carinhosamente falando em pequenos suspiros.

- “Jeremy?

- Jeremy, acorde!

- O bebê está chorando...”

 

Conto cedido pela autora "MeeReezita" em sua página na FanFiction.

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